A IMPORTÂNCIA DOS “SALVADOS” PARA OS FAMILIARES DAS VÍTIMAS
Um tema delicado, mas que pede atenção, se refere a importância na devolução dos “salvados” das vítimas aos seus familiares. Quando menciono a respeito, me surpreendo com a repercussão que o tema causa, tanto de empresas, como empresários e profissionais em postos de comando, tais como: “surpresos, nunca cogitamos essa necessidade”, ou ainda “não levamos o tema em consideração” ou, “não fazíamos idéia quanto a importância desse gesto”. Pois saibam, é extremamente importante! Estamos falando de uma questão bastante delicada e imprescindível aos familiares de vítimas e para as empresas que enfrentam a perda um profissional.
Notei também, que nem todos conhecem o significado da palavra “salvado”. Salvado é o nome dado a todo e qualquer objeto encontrado no local do acidente, que traga relação pessoal com alguma das vítimas, como por exemplo, malas, objetos, roupas, documentos, fotos etc.
Infelizmente, fala-se muito pouco a respeito. Se pesquisarmos, o retorno será também escasso. Não é dada a atenção que o tema merece e pouco se tem conhecimento do efeito ocasionado pela entrega de um objeto pessoal ao familiar da vítima e a importância para seu processo de luto.
A entrega dos salvados se potencializa quando infelizmente, em alguns acidentes, não é possível localizar ou identificar uma ou mais vítimas. Nessa situação, receber um objeto de seu ente querido, que se sabe, estava junto a ele no momento do acidente, traz a certeza de que… sim, é fato, seu querido se foi!
A experiência da ABRAPAVAA em relação aos salvados reforça a necessidade de localizar o maior número de salvados possíveis, não importando o estado em que se encontrem, mas sim, a iniciativa, o cuidado, o zelo, o trato e o respeito da empresa para com os familiares, sendo um acidente com alto número de vítimas ou não.
Senhores empresários, sendo a tragédia um acidente aéreo ou não, por favor, preservem todo e qualquer objeto localizado, dêem o tratamento adequado, cuidem com carinho, como se fosse seu. Cada objeto localizado traz uma história, faz parte da memória de alguém e em alguns casos, será a única forma de representar um ente querido, caso ele não seja localizado ou reconhecido e aquele objeto será, para muitos, a forma de realizarem suas despedidas.
Vivenciamos na ABRAPAVAA vários casos. Um dos relatos que nos emocionou bastante foi com o acidente TAM 3054, em São Paulo, em 17 de julho de 2007, com 199 vítimas fatais. Infelizmente, 4 vítimas daquele voo nunca foram identificadas. Com certeza, é de se imaginar a angústia e o sofrimento dos familiares no aguardo de notícias sobre a identificação de seus entes queridos, mesmo dos fragmentos encontrados, na expectativa de que, através de um deles, se colocasse um fim em dias e dias de sofrimento e incertezas e poderiam então, prosseguirem com suas despedidas. Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu para essas 4 famílias.
Uma vez esgotadas as possibilidades, foi nos salvados que uma dessas famílias pode se despedir de seu familiar. Me refiro aqui a uma das comissárias. Após longos e dolorosos dias e diante da confirmação de que não seria possível identificar seu ente querido, foi então localizada e identificada na galley (que são aqueles espaços que ficam na dianteira e traseira da aeronave, onde são preparados o serviço de bordo e guarda de pertences dos comissários), a necessaire daquela comissária, contendo vários objetos pessoais seus. Foi essa necessaire que a representou em sua cerimônia de adeus.
Muitos desses “salvados” foram dados em presente, em cerimônias e datas especiais – fotos que testemunharam momentos significativos de suas vidas, objetos comprados em uma viagem especial, um presente de um filho e, mesmo que esse objeto esteja destruído, ou somente um pedaço, o que importa é o seu significado. Aquele objeto faz parte da historia de vida daquela vítima e o que ele representa é imensurável para seu familiar.
Enquanto empresário/empresa, dar a devida atenção e cuidado a esse gesto resultará sim num enorme benefício, trará uma reação positiva pois, aquele familiar reconhecerá que a empresa o respeita, reconhecerá a importância de seu ente querido enquanto profissional e colaborador e que estará diante de uma empresa sensível. Pode ter certeza de que esse gesto será lembrado e resultará sim, numa melhor relação futura. Ressalte-se aí, a importância para a imagem desse empresário e dessa empresa.
No cinema, sabemos que existem inúmeros filmes sobre Acidentes Aéreos. Vários deles bastante conhecidos. Quero comentar sobre um em especial: “Em Busca de Vingança”. Um filme baseado em “fatos reais” sobre um acidente acontecido em 2002, onde um russo perde sua esposa e filhos e que, a partir daquele momento, não sossegaria enquanto não “fizesse justiça com as próprias mãos”.
Para quem não assistiu o filme, aqui vai uma breve sinopse:
O ator Arnold Schwarzenegger interpreta Roman, que aguardava no aeroporto pelo desembarque de sua esposa e filha grávida. O vôo não chega e todos que ali aguardavam são convidados a seguirem para um local reservado, onde são informados pela empresa aérea sobre o acidente, sem sobreviventes.
Roman, determinado na localização e identificação de seus familiares e em saber os motivos que culminaram com o acidente, passa a se dedicar exclusivamente, 24hs por dia, na busca, investigação e os responsáveis pela tragédia.
Gostaria, neste momento, de ressaltar que meu objetivo aqui é a referência que faço ao filme sobre o tema salvados, portanto, não é meu objetivo sugerir qualquer discussão sobre o filme, até porque, como podem notar pelo título, vocês podem imaginar a complexidade do tema. Meu objetivo único é a referência a um momento especial do filme, que exemplifica a importância e o reconhecimento, pela empresa aérea, sobre os salvados e o respeito demonstrado aos familiares das vítimas.
Esse viúvo e pai fez tanta questão de acompanhar todo o processo de resgate e identificação das vítimas que consegue uma permissão para acompanhar o trabalho dos bombeiros no local dos destroços e, num determinado momento, ele localiza um colar de pérolas no galho de uma árvore. Ele o identifica como sendo o colar que deu a sua esposa numa data especial. Esse foi o momento de sua certeza de que sua esposa realmente estava a bordo e que havia falecido no acidente.
O filme segue e em um outro momento, uma nova referência importante sobre os salvados. Diante da emoção demonstrada por esse marido e pai na identificação do colar; diante de sua determinação e luta na busca por respostas, a empresa aérea decide construir um Memorial às vítimas, onde um grande colar de pérolas foi posicionado sobre a obra. Vale a pena assistir.
Vale também fazer aqui mais uma referência aos salvados numa ótica um pouco diferente, ou seja, aqueles objetos não identificados no local da tragédia mas que pertenciam a vítima, em outros locais, dentro de sua rotina. Darei aqui um exemplo que vivenciei também.
Por volta de 20 dias após o acidente com o meu marido, fui convidada pela empresa onde ele trabalhava, para que lá comparecesse. Antes, fui consultada se estaria em condições de “entrar na sala dele e esvaziar sua mesa”. Confesso que não foi uma tarefa fácil. Por um lado, compreendo a empresa, sua equipe de trabalho, aquela sala vazia que tanto o representava, a rotina de todos sem ele. Por outro lado, eu, enfrentando aquele momento, aquele ambiente, tocando e identificando seus objetos e tudo ainda tão recente.
Cheguei na empresa, a equipe me aguardava e foi um momento de muita emoção. Seguimos para a sala dele. Todos aqueles objetos sobre a mesa, a caneta que foi um presente meu, o porta canetas de madeira com a mãozinha do meu filho Samir estampada (presente feito na escola e dado a ele no dia dos pais anterior ao acidente), fotos nossas, das crianças… tudo, exatamente como ele deixou. Simplesmente fecharam a porta e aguardaram pela minha presença. Respeito!!!
Sentei na mesa, pedi ajuda a alguns dos colegas da sua equipe e começamos a abrir as gavetas. Nesse momento, alguns deles passaram a identificar documentos, bilhetes, anotações trocadas entre eles, ou seja, a rotina daquela equipe estava ali representada. Sugeri que cada um deles escolhesse e ficasse com o que tivesse vontade e assim, levaria como lembrança dessa convivência que, dito por eles mesmos, foi maravilhosa, de muita parceria e que formavam um grande time.
Quero com esse exemplo, trazer à reflexão a importância desse gesto e que infelizmente, não é o que acontece na maioria das empresas. Recebo relatos de objetos que simplesmente são recolhidos, colocados numa caixa e enviados aos familiares de forma fria e indiferente e muitas vezes, o que considero mais grave, são simplesmente desprezados.
Sempre que possível, sugiro uma reflexão às empresas e aos empresários: e se fosse com você? Se fossem objetos seus, suas memórias? Não consideraria importante que fossem entregues a você e aos seus familiares?
Para saber mais sobre o tema, não deixe de se inscrever no 1º e maior Congresso do Brasil a reunir os maiores especialistas para falar sobre: Gerenciamento de Crise e a Assistência aos Familiares de Vítimas em Eventos Traumáticos.
O evento ocorrerá nos dias 15 e 16 de março de 2022 em São Paulo.
Adquira agora mesmo o seu ingresso aqui: abrapavaa.com.br/congresso/
Os comentários estão fechados.